Magnum segue disparando pelo Mundo

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24/11/2016 - 19:35:48

A prestigiada agência, que deve seu nome ao gosto de seus fundadores pelas grandes garrafas de champanhe, completa 65 anos no topo do jornalismo

via El País / blog O fabuloso mundo das imagens

Magnum segue disparando… porque esta lendária cooperativa dos melhores fotógrafos do planeta não deixou de apontar suas câmeras fotográficas para tudo que nestes últimos 65 anos valia a pena ser retratado. Sim, já sei que o nome da agência Magnum não refere-se ao conhecido revólver, e sim à garrafa de litro e meio de champanhe que Robert Capa gostava tanto  de tomar depois de uma dura campanha de fotos pulando de trincheira em trincheira, mas é certo que  que grande parte da saga deste grupo de escolhidos fotógrafos forjou-se nas guerras do século XX e a marca Magnum é sinônimo de fotografia bélica. No entanto, seus homens e mulheres documentaram desde conflitos e revoluções até concursos de beleza, migrações, desastres naturais ou partidas de beisebol, e sempre com uma imensa intencionalidade estética em cada um de seus fotogramas. Porque esse parece ser o distintivo da Magnum. Seu selo. Não apenas estão sempre onde têm de estar, como também conseguem contá-lo, capturá-lo, da maneira mais eficaz possível, mais impactante, inclusive mais bela, se é que uma fotografia de guerra, por exemplo, pode ser bela.

Robert Capa, o mais conhecido dos primeiros quatro sócios da cooperativa, nos deixou uma frase para a história (e para as faculdades de jornalismo): se sua fotografia não é boa é porque não estavas perto o suficiente. O pessoal da Magnum não usa apenas teleobjetivas. Costumam trabalhar com ópticas curtas, das que obrigam a aproximar-se dos feitos para capturar esse momento efêmero. Capa deve ser o único fotógrafo que conseguiu imagens icônicas de pelo menos dois grandes conflitos: seu miliciano de macacão branco caindo ferido de morte no Cerro Muriano, na Guerra Civil espanhola, e a turva silhueta de um marine dos EUA nas praias da Normandia iniciando o assalto à Europa. Nas duas ele estava tão perto que já não nos importamos em não saber quem eram esses dois soldados, porque as fotografias transcendem seu significado e nos dizem, sobretudo, que o fotógrafo estava ali. Nos últimos anos, inclusive, duvidou-se que o miliciano espanhol houvesse sido ferido, que estivesse sequer no front e se a fotografia era de Capa ou de sua então companheira sentimental Gerda Taro. Mas esse debate, na verdade, só vem ocorrendo na Espanha. Para o resto do mundo, para a História, o fundador da Magnum foi o primeiro que retratou um soldado no momento de sua morte. E isso já não há quem mude. Capa morreu em 1954 rebentado por uma mina na Indochina e não consta que tenha deixado nada dito ou escrito sobre essa fotografia nem esse miliciano. Não existe sua verdade sobre ela, além disso sempre reivindicou essa foto como sua. O que já é o bastante.

Outro de seus colegas, Henri Cartier-Bresson, sobreviveu quase 50 anos mais. O francês foi, podemos dizer, o mestre retratista da agência, Um homem que bebia das fontes do surrealismo parisiense de período entre guerras e que nunca se desfez de sua Leica de 35 milímetros. Cartier-Bresson deixou um conceito que todos os jornalistas, gráficos ou não, tentaram alguma vez aprender: “O instante decisivo”. Esse flash de comunhão absoluta com a realidade que tens adiante. O momento mágico onde em que exclamas para seu interior “peguei”. Esse clique que encerra dias de preparação, horas de espera, minutos de risco e segundos de dúvida. Cartier-Bresson foi um fotógrafo humanista e essa característica converteu-se também em marca da casa Magnum. Alguns de seus mais conceituados membros, como Sebastião Salgado, têm elevado suas séries sobre as migrações humanas à categoria de arte. Cristina García Rodero, a única espanhola na agência, documentou a Espanha oculta, e segurmente mais fascinante, desde há muitos anos.

O mito da Magnum reside na incontestável qualidade de sua lista de fotógrafos, mas também na enorme força criativa do trabalho de seus fundadores e o destino trágico de alguns deles. David Seymour morreu dois anos depois de Capa, abatido pelas balas egípcias no conflito do Canal de Suez. E George Rodger não voltou a fotografar uma guerra depois de ser um dos primeiros a entrar no campo de concentração nazista de Bergen Belsen e retratar as pilhas de cadáveres de judeus no que foi a primeira prova gráfica do genocídio.

Prestem atenção nas fotografias que acompanham esta reportagem. Com o trabalho dos senhores da Magnum muitos de nós nos formamos e nos praparamos. Aprendemos e sonhamos. Seu catálogo tem mais de 200 mil fotografias e todas boas. Em 2010 foi vendido ao milionário da informática Michael Dell, que por sua vez cedeu à Universidade do Texas para seu estudo e conservação. Nestes tempos confusos para o jornalismo e seus valores, os homens e mulheres da Magnum seguem sendo um ideal de entrega e qualidade. Não está muito claro como sobreviverá a agência a estes vai-e-vens digitais, aos filmes com câmeras, aos tempos de Instagram onde qualquer um faz-se fotógrafo e põe-se a inserir filtros e criar atmosferas. Agora que as redes sociais estão popularizando esse jornalismo cidadão em que tudo vale e se retuita sem contrastar nem valorizar, segue-se necessitando da ética e da estética da Magnum para aprendermos de verdade qual o “instante decisivo” de um acontecimento. Para que sigam ensinando ao mundo através de lentes próximas, em que o respeito à realidade e o gosto por uma boa história, “por pequena que seja”, como dizia Cartier-Bresson, siga sendo a diferença.

Agradecimentos a Gustavo Carneiro, por uma boa mãozinha na tradução

 

 

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