Ao som de atabaques, "Terra Mulher" mergulha nas influências negras e indígenas para romper com o asfalto duro e pisar com o pé na terra
Em seu primeiro trabalho autoral, a artista Lidia Lidia Lidia parte do princípio: a terra, que é raiz e solo fértil. "Terra Mulher" convida a estilhaçar o asfalto do dito "progresso", criado pela sociedade colonial, que nos afasta da terra e da natureza que existe ao nosso redor e dentro de nós.
Dividido em três faixas, na primeira, que traz o nome do EP, a artista chega pisando forte no solo. "Terra Mulher" relaciona a natureza presente na terra e nas mulheres, capaz de gerar a vida. "Neste processo de quebrar o asfalto do chão e de nossas cabeças, é possível enxergar novas formas de se ver no mundo e se relacionar. É preciso ver o que tem por baixo do asfalto: resistência, riso, fluidez, acolhimento e amor", conta Lidia.
Na sequência, "Menina", a segunda faixa, pede licença a Exu para abrir os caminhos às meninas/mulheres passarem. A música traz a força das águas, que existem em abundância na Terra, e dentro das mulheres. A composição é feita em parceria com a artista Nataly Ferreira, inspirada em processos de cura e resiliência.
Educadora, mestiça e da umbanda, Lídia traz inúmeras referências das cosmologias indígenas e pretas para o EP, entre as inspirações, estão os livros “O canto das mulheres do asfalto” de Carlos Caminheiro, “Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo” de Eliane Brum, o espetáculo “O canto do fim do mundo”, entre outros.
"Ailton Krenak em um de seus livros explica que os rios que sofrem interferência humana não secam, eles descem para terra e continuam fluindo longe dos perigos humanos, a sua maneira de ser, da mesma maneira que nós mulheres recorremos a espiritualidade e a reconexão com a natureza para nos fortalecermos e nos curarmos das violências do cotidiano", explica.
Por fim, o EP encerra com "Carnaval sem fim". Com elementos do samba, como o cavaquinho, a faixa traz um ritmo mais dançante para mergulhar na potência de um amor leve e real, capaz de transformar os traumas em festa e poesia. Para a artista, o asfalto, como essa analogia à sociedade colonial homofóbica e heteronormativa, é capaz de silenciar até os sentimentos mais profundos sobre os nossos desejos e paixões. Por isso, reforça: para viver o amor, é preciso sentir a natureza viva que existe dentro de si, a "terra mulher".
O EP foi gravado e produzido pelo artista Alan Oliveira do Estúdio Percurtir, conta com participações especiais de Nataly Ferreira e Will Carbônica, e com Cristiane Araújo e Kleyton Breda na elaboração de arranjos, cordas e percussões. O trabalho foi contemplado pelo edital “Funcultura - Jovens Artistas”, de 2023.
EP “Terra Mulher”: Terra Mulher – música e letra de Lidia Lidia Lidia, Alan Oliveira | Spotify
Lidia Lidia Lidia
Lidia Lidia Lidia (Lidia Martiniano) é educadora, artista sonora e visual. Tem formação em canto, na Etec de Artes; em sonoplastia, na SP Escola de Teatro; e no curso de licenciatura em artes visuais, pela Faculdade Paulista de Artes. Sintoniza sua linguagem a partir dos gritos de manifestações que as ruas vibram em memória do território que habita: América Latina.
Lidia Lidia Lidia dessa forma, dita três vezes, é uma forma de afirmação da artista com sua própria identidade. Uma maneira de ser lembrada pelo nome, dando mais valor à sua essência do que aos sobrenomes herdados dentro de uma dinâmica de apagamento de sobrenome negros e indígenas. Sendo Lidia integralmente, se sente livre para buscar sua própria história e ancestralidade.
Sua experiência enraizada nessa terra, fala sobre espiritualidade, luta e resistência em busca de liberdade e emancipação. Foi integrante da banda "As Despejadas”, que iniciou os trabalhos em 2014 e encerrou suas atividades em 2022. Na banda, Lídia traçou sua trajetória de maneira mais ampla, despertando a atenção para outras expressões artísticas. No teatro, está presente com sua voz,e musicalidade por meio da sonoplastia, mas também já fez trabalhos como operadora de som e direção musical. Atualmente participa como sonoplasta da Cia Bonita de Teatro, uma companhia formada por atrizes da cena guarulhense e paulistana.