Into the Bush no Great Divide, V1

Por: Revista / Bicicleta
06/03/2020 - 10:28:22

Pedalei na Great Divide Mountain Bike Route, a maior extensão contínua de estradas não-pavimentadas já mapeada. São 4.339 km no total, com acensão acumulada de 45.618 m, sendo 3.631 m o ponto com maior elevação. Liga a cidade de Banff, no estado de Alberta no Canadá à Antelope Wells, no Novo México, na fronteira entre Estados Unidos e México. Conheça agora a minha aventura.

Meu primeiro contato com o Great Divide ocorreu cerca de 5 anos atrás, ao assistir a um documentário no canal Off. Um grupo de pessoas comuns, sem nenhum período de preparação física, mental, nem mesmo um planejamento prévio, desafiadas por uma espécie de “reality show” a realizar a maior travessia em vias contínuas não pavimentadas já mapeadas no mundo.

“Quanto pior, melhor”, este é meu estilo, por isso nem preciso dizer que fiquei alucinado! Além do tamanho do desafio, as imagens mostravam regiões bastante remotas dos Estados Unidos, onde a presença humana é quase uma raridade. Pequenos vilarejos cravados aos pés das montanhas rochosas, após alguns dias de isolamento nas trilhas, e só.

Com muito desejo, mas ainda sem nenhuma expectativa, iniciei as pesquisas na internet, li relatos e assisti vídeos de bikers que se aventuraram pelo Great Divide. A curiosidade e desejo foram aumentando a cada dia, como você pode imaginar.

 

Soube então que a trilha foi batizada de “Great Divide Mountain Bike Route”, ou simplesmente GDMBR, pelo fato de percorrer a divisão de continente (continental divide) cujo eixo central são as montanhas rochosas, que se estendem majestosamente do norte do Canadá e percorrem todo o território americano, separando entre lado leste e oeste todo o recurso hídrico destes dois países.

Dei conta também de que se tratava de algo realmente GRANDE! Com início em Banff, uma linda cidade-estação de esqui no estado de Alberta no Canadá, e término em Antelope Wells; esta, uma cidade fantasma no meio do deserto do Novo México, exatamente na fronteira dos EUA com o México; percorre 4.428 Km de extensão, 45 mil metros de ascensão acumulada, 33 cruzamentos pelas montanhas rochosas e passagem por 7 estados: Alberta e British Columbia no Canadá e Montana, Idaho, Wyoming, Colorado e Novo México nos Estados Unidos.

Mapeada no final da década de 90, é palco de uma corrida de aventura chamada “Tour Divide”, na qual os competidores percorrem o mesmo trajeto sem qualquer tipo de suporte de terceiros. Coisa para bem poucos. O vencedor da edição de 2017 realizou a travessia em 16 dias!!

A Adventure Cycling Association (www.adventurecycling.org) é a entidade que organiza o tour e mantém informações e mapas atualizados. Duas fontes indispensáveis de informação para quem quiser se aventurar pelo Great Divide é o conjunto de 6 mapas fornecidos pela associação, que além do trajeto, trazem informações sobre os acampamentos, locais para compra de mantimentos, dicas e recomendações.

Outra leitura obrigatória é “Cycling the Great Divide” escrito por Michael McCoy, um dos precursores do Great Divide. O livro traz um contexto histórico das cidades e vilarejos atravessados pela rota, além de valiosas dicas sobre os melhores lugares para comer, beber (isso mesmo, há muitas microcervejarias ao longo da rota) e acampar.

Mantive “o sonho” na gaveta e tirei do papel outro projeto antigo (e convenhamos, bem mais pé no chão) que era conhecer o deserto de Moab com minha esposa. Passagem comprada, passeios escolhidos, bikes e equipamentos reservados e logística organizada!

Não me lembro exatamente o dia, mas presumo que foi entre 20 e 25 de julho quando me reuni com meus sócios, e decidimos fazer uma mudança na nossa organização que abria espaço para uma transição, um tempo, um curto período sabático, uma oportunidade, uma chance para o meu “o sonho”.

Durante todo este dia pensei em muitas coisas, mas confesso que “o sonho” ainda estava na gaveta. Sou daqueles que, ao ir para cama, precisam de tempo para acalmar as ideias e desacelerar a cuca. Muita coisa acontece nesse momento e foi aí o meu “déjà vu”.

Levantei na hora, fui para a sala e não dormi mais. “O sonho” já havia sido desengavetado. Coisa que, semanas depois, batizei de “O Chamado”.

Surgiram dois probleminhas pela frente, e um deles você pode imaginar qual foi: contar para minha esposa (que já estava com a cabeça e alma lá em Moab). O segundo foi planejar simplesmente tudo, para iniciar a trilha ainda na primeira quinzena de agosto, início do outono e momento ideal, e muitas vezes a única janela possível segundo a Adventure Cyclin Association. Creio que concordamos em algo: o primeiro seria bem mais difícil. Mas foi exatamente o contrário. Claro que ela gostaria de ter feito a viagem, mas passado o choque da notícia, tive o apoio incondicional da minha amada companheira, que assumiu como nosso o que seria meu “sonho” e ajudou em praticamente tudo.

Cravei minha viagem para o Canadá para o dia 8 de agosto. Teria, portanto, 20 dias para fazer toda a organização (falar em planejamento neste cenário seria uma piada) da travessia. Pelo menos teria, a partir de então, todos as horas disponíveis para me dedicar ao projeto.

Visto de entrada, logística, mapas e livros sobre a travessia, todo conteúdo disponível sobre ursos e outros animais abundantes por lá (este tópico mereceria um capítulo à parte), equipamentos de comunicação e segurança, setup da bike (a minha ou comprar uma lá?), roupas, acessórios para acampamento, peças e assessórios para reparo da bike, kit de primeiros socorros e posicionamento e teste disso tudo na minha bike (defini que seria ela) antes da viagem. A lista tinha facilmente mais de 100 itens. Já os alimentos eu compraria lá.

Fiz diversas pesquisas na tentativa de encontrar um brasileiro que tivesse realizado a travessia. Ajudaria muito receber dicas com alguém daqui que tivesse tido esta experiência. Nada, nenhuma publicação nas redes sociais. Teria que ser “on the job” mesmo!

Finalmente, estávamos na estrada. Chegando em Banff, algumas surpresas. Bike com peças faltando e algumas partes danificadas pelas companhias aéreas. Como foram 3 conexões, difícil saber onde foi e não haveria tempo para isso. Bola pra frente.

Banff é uma cidade turística com muitas opções em esportes outdoor e várias lojas, com tudo que há de melhor. Resolvidos os problemas com minha bike e comprados os equipamentos e mantimentos que faltavam (incluindo o spray de pimenta para ursos), me joguei na trilha no dia 12 de agosto, às 10h da manhã. Difícil explicar como me senti neste dia.

Em 1º de outubro, em Silver City, Novo México, minha esposa Carol chegou ao meu encontro para acompanhar minha chegada à Antelope Wells, dali a dois dias. Ela e o Dave, um brother que conheci na última etapa da travessia, que fazia o percurso pela 2ª vez, agora de moto (esse cara foi um caso à parte).

Foram 51 dias deste o início da travessia, 48 deles pedalando e 3 descansando. Cheguei à Antelope Wells por volta das 11h da manhã do dia 3 de outubro.

A curiosidade de amigos e familiares com quem me encontrei depois da chegada era sobre qual havia sido o momento foi mais difícil na travessia. Tenho respondido que atender “O Chamado”. Sair da zona de conforto, deixar suas coisas para trás por um tempo, colocar a barra lá no alto e tomar a decisão de realizar um sonho é muito mais difícil que a jornada em si. Quando você está “into de bush”, é só curtição. Afinal, quem reclamaria de poder pedalar 51 dias seguidos naquele cenário?

Propositalmente, enfatizei o processo que se deu comigo envolvendo “o meu chamado”, e não à jornada em si. Espero motivar outros leitores a aproveitar a janela de oportunidade quando a vida lhes apresentar!

Quem quiser saber mais sobre “a jornada”, pode acessar o blog que minha filha Aline criou e atualizou para mim.

Imagens: Leonardo Gomes
www.biketrailtrip.tumblr.com

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